Medo-Carlos Drummond (Fear)
Em verdade temos medo. (In truth, we all have fear)
Nascemos escuro. (We are born dark.)
As existências são poucas: Carteiro, ditador, soldado. (There are few existences: Mailman, dictator, soldier.)
Nosso destino, incompleto. E fomos educados para o medo. (Our destiny, incomplete. And we were taught to fear.)
Cheiramos flores de medo. Vestimos panos de medo. (Flowers smell of fear. We wear cloths of fear.)
De medo, vermelhos rios vadeamos. (We wade through red rivers of fear.)
Somos apenas uns homens e a natureza traiu-nos. (We are only a few men and nature betrayed us.)
Há as árvores, as fábricas, Doenças galopantes, fomes. (There are trees, factories, rampant Diseases, famines.)
Refugiamo-nos no amor, este célebre sentimento, e o amor faltou: chovia, ventava, fazia frio em São Paulo. (We take refuge in love, this eminent feeling, and love was missing: it was raining, windy and cold in Sao Paulo.
Fazia frio em São Paulo… Nevava. (It was cold in Sao Paulo…Snowing.)
O medo, com sua capa, nos dissimula e nos berça. (Fear, with it’s cover, hides in the crib.)
Fiquei com medo de ti, meu companheiro moreno, De nós, de vós: e de tudo. (I was afraid of you, my brown companion, From us, from you: and from everything.)
Estou com medo da honra. Assim nos criam burgueses, Nosso caminho: traçado. (I am afraid of honor. So we create bourgeois, Our path: a path.)
Por que morrer em conjunto? E se todos nós vivêssemos? (Why die together? And what if we all lived?)
Vem, harmonia do medo, vem, ó terror das estradas, susto na noite, receio de águas poluídas. (Come, harmony of fear, come, oh terror of the roads, fright night, fear of polluted waters.)
Muletas do homem só. Ajudai-nos, lentos poderes do láudano. (Only a crutch of man. Help us, slow power of láudano.) *láudano is a drug made with an extract of opium, which has a sedative effect and is known to cause memory loss. It was banned in 1934.*
Até a canção medrosa se parte, se transe e cala-se. (Even the fearful song breaks apart, transforms itself and becomes quiet.)
Faremos casas de medo, duros tijolos de medo, medrosos caules, repuxos, ruas só de medo e calma. (We will make houses of fear, hard bricks of fear, timid stems, streets only of fear and calm.)
E com asas de prudência, com resplendores covardes, atingiremos o cimo de nossa cauta subida. (And with wings of prudence, with cowardly splendors, we shall reach the top of our cautious ascent.)
O medo, com sua física, tanto produz: carcereiros, edifícios, escritores, este poema; outras vidas. (Fear, with it’s physics produces: prison guards, buildings, writers, this poem; other lives.
Tenhamos o maior pavor, Os mais velhos compreendem. (We have/Have the greatest dread, The elders understand.)
O medo cristalizou-os. Estátuas sábias, adeus. (Fear crystallized them. wise Statues, goodbye.)
Adeus: vamos para a frente, recuando de olhos acesos. Nossos filhos tão felizes… (Farewell: we will go forward, retreating from lit eyes. Our children so happy.)
Fiéis herdeiros do medo, eles povoam a cidade. Depois da cidade, o mundo. Depois do mundo, as estrelas, dançando o baile do medo. (Faithful heirs of fear, they populate the city. After the city, the world. After the world, the stars, dancing the dance of fear.)